quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Sermão de Santo António aos peixes - Padre António Vieira


Sermão de Santo António pregado na cidade do Maranhão, no ano de 1654, no dia 13 de Junho, dia de Santo António, (Véspera da partida de Padre António Vieira para Lisboa). Nesta época, Portugal tinha recuperado a Independência e o Padre António Vieira vem a Lisboa, junto do rei para apoiar a criação de leis que acabassem com a exploração dos colonos brancos para com os índios brasileiros.
O sermão está organizado em seis capítulos e três partes: o Exórdio, que contém o capitulo I; a exposição e confirmação, que contém os capítulos II, III, IV e V e a peroração que contém o capitulo VI.

No Exórdio, Padre António Vieira apresenta o conceito predicável, “Vós sois o sal da Terra”, e explica as razões pelas quais a terra está tão corrupta. Ou a culpa está no sal (pregadores), ou na terra (ouvintes). Se a culpa está no sal, é porque os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque dizem uma coisa e fazem outra ou porque se pregam a si e não a Cristo. Se a culpa está na terra, é porque os ouvintes não querem receber a doutrina, ou antes imitam os pregadores e não o que eles dizem, ou porque servem os seus apetites e não os de Cristo.
Ao apresentar o conceito predicável, Padre António Vieira, introduz o tema do sermão, mas apesar de tudo desvia-se do tema e preocupa-se apenas com a razão pela qual a terra está corrupta, partindo do principio de que a culpa é dos ouvintes. Consegue isto, uma vez que o sermão é proferido no dia de santo António, aproveitando assim o exemplo deste. Santo António não obtinha resultados da sua pregação e os homens até o quiseram matar, em vez de desistir resolveu pregar aos peixes. Assim se viu Padre António Viera, sem obter resultados, a terra continuava corrupta, resolvendo igualmente pregar aos peixes, seguido o exemplo de Sto António.
Em primeira parte, o orador vai louvar as virtudes dos peixes e em seguida repreende-los.

O capitulo II contempla os louvores aos peixes de carácter geral, recorrendo-se ao exemplo de Jonas para mostrar que os homens são muito piores que os peixes. Como suas qualidades temos:
- Bons ouvintes / obedientes
- Primeira criação de deus
- Melhores do que os homens
- Livres, puros, longe dos homens
Estas qualidades, são por antítese os defeitos dos homens.
Neste, como em todos os capítulos, há um exemplo prático de Sto António, para o louvar no seu dia.

O capítulo III é igualmente de louvor aos peixes, mas agora de carácter particular. Padre António Vieira utiliza quatro peixes para mostras a relação entre o homem e o divino, como os peixes se dão a estes cuidados e os homens não pensam em tais coisas.
Peixe de Tobias: Tem umas entranhas e um coração que expulsam os demónios e simboliza o poder purificador da palavra de Deus.
Rémora: Peixe que quando se agarra e um navio tem força suficiente para o conduzir sozinha. Simboliza o poder da palavra do pregador – guia das almas.
Torpedo: Produz descargas eléctricas que faz tremer o braço do pecador. Simboliza o poder da palavra de Deus, de fazer tremer os pecadores que pescam na terra tudo quanto encontram.
Quatro – olhos: Tem dois pares de olhos, uns para cima e outros para baixo. Simboliza o dever dos cristãos em tirar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu sem esquecer o inferno.
Todos estes louvores que Padre António Vieira faz aos peixes são antíteses aos defeitos dos homens, assim simbolizando os seus vícios.

Seguidamente parte-se para as repreensões aos peixes, primeiramente de carácter geral (Cap. IV) e depois de carácter particular (Cap. V).
No carácter geral, Padre António Vieira acusa os peixes de se comerem uns aos outros, recorrendo a um exemplo dos homens para explicar o que eles faziam. Assim, os homens praticam antropofagia social, ou seja exploração uns dos outros. O orador faz uma comparação entre a antropofagia ritual dos Tapuias (índios brasileiros) e a antropofagia social dos homens, considerando esta ultima mais grave que a anterior, porque muitas vezes procuram tanto a exploração que nem os mortos escapam. O mais grave de tudo é que são os grandes que comem os pequenos, ou seja são precisos muitos pequenos para alimentar um grande. Acusa-os igualmente de cegueira, vaidade e de terem a maldade.
Estas repreensões são feitas com o objectivo de mudarem os homens, ou pelo menos fazê-los pensar, mesmo que não haja uma mudança rápida.
Aqui, há também um exemplo prático de Sto António que nunca praticou antropofagia social e que trocou a riqueza pela simpleza.

De carácter particular, Padre António Vieira usa quatro exemplos de peixes que se referem a tipos comportamentais. O roncador que simboliza os arrogantes, o pegador, que simboliza os oportunistas, o voador, que simboliza os ambiciosos e o pior de todos, o polvo, que simboliza o traidor e o hipócrita. Este último, tem uma aparência de santo e manso e um ar inofensivo, mas na essência é traiçoeiro e maldoso, é hipócrita e faz-se de amigo dos outros e no fim “abraça-os”. Neste capítulo são usados os exemplos de São Pedro, Sto Ambrósio, São Basílio e o Gigante Golias.

Por fim, a despedida, no capitulo VI, onde o orador retoma os pregadores de que falava no conceito predicável, servindo-se dele próprio como exemplo alegando que não estava a cumprir a sua função. Alega também que ele (homens) e os peixes, nunca vão chegar ao sacrifício final, uma vez que os peixes já vão mortos e os homens vão mortos de espírito. Padre António Vieira diz que a irracionalidade, a inconsciência e o instinto dos peixes, são melhores do que a racionalidade, o livre arbítrio, a consciência, o entendimento e a vontade do homem.

Conclui-se assim, fazendo um apelo aos ouvintes e louvando-se a Deus, tornando esta última parte do sermão um pouco mais familiar, para que se estabeleça de novo a proximidade entre os ouvintes e o orador.
Este sermão teve como ouvintes os colonos do Maranhão e tem grande coesão e coerência textual graças á utilização de recursos estilísticos, articuladores do discurso e argumentos de autoridade e analógicos para validar e confirmar os testemunhos narrados. Todo o sermão é alegórico, uma vez que são utilizados os peixes como figuras concretas para a crítica aos homens.